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Narcisismo – Do mito à mente

Narcisismo – Do mito à mente

Do Mito à Mente: A Evolução do Conceito de Narcisismo na Psicanálise Freudiana

O narcisismo, um dos conceitos mais importantes na psicanálise freudiana, tendo suas raízes em um mito antigo, o Mito de Narciso, mas sua jornada até se tornar um pilar da teoria psicanalítica é bem complexo.

Neste post, procurei abordar a evolução do conceito de narcisismo, desde suas origens mitológicas até sua elaboração na psicanálise freudiana, examinando como esse conceito se transformou e se enriqueceu ao longo do tempo.

Das Águas do Mito às Profundezas da Psique

A história do narcisismo começa com o mito grego de Narciso, um jovem de beleza extraordinária que se apaixona por seu próprio reflexo. De maneira muito simplificada, cabe apenas dizer em relação ao mito, que Narciso é incapaz de se afastar da imagem que vê nas águas de um lago, e por isso definha e morre, transformando-se na flor que leva seu nome. Este mito captou a imaginação de artistas e pensadores ao longo dos séculos, servindo como uma metáfora poderosa para o amor-próprio excessivo, autoestima e a autoadmiração.

No entanto, foi apenas no início do século XX que o narcisismo começou a ser explorado como um conceito psicanalítico por Sigmund Freud.

No entanto, cabe dizer que o sexólogo Havelock Ellis foi um dos primeiros a usar o termo “narcisismo” em 1898 para descrever um fenômeno psicológico. Paul Näcke, em 1899, cunhou o termo “Narcisismo” para descrever uma perversão sexual em que o indivíduo trata seu próprio corpo como um objeto sexual.

Só então que Freud de fato se debruçou sobre o tema e elaborou sua teoria sobre o narcisismo.

Freud e a Introdução do Narcisismo na Psicanálise

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, inicialmente mencionou o narcisismo em suas discussões sobre a homossexualidade em 1910. No entanto, foi em 1914, com a publicação de “Sobre o Narcisismo: Uma Introdução”, que Freud apresentou uma elaboração completa do conceito, transformando-o de uma mera perversão sexual para um estágio fundamental do desenvolvimento psíquico.

Freud propôs que o narcisismo era uma fase normal do desenvolvimento infantil. Ele distinguiu entre narcisismo primário e secundário:

  1. Narcisismo Primário: Um estado inicial em que a criança investe toda sua energia libidinal em si mesma. Neste estágio, a criança experimenta um senso de onipotência e não diferencia entre si mesma e o mundo externo.
  2. Narcisismo Secundário: Ocorre quando a libido, que foi investida em objetos externos, é retirada e reinvestida no ego. Isso pode acontecer como parte do desenvolvimento normal ou como uma resposta defensiva a experiências traumáticas.

A Libido e o Narcisismo

Freud viu o narcisismo como intimamente ligado à sua teoria da libido. Ele propôs que havia uma quantidade finita de libido, e que o investimento em si mesmo (narcisismo) estava em equilíbrio com o investimento em objetos externos (amor objetal). Esta concepção levou ao entendimento sobre a formação do ego e o desenvolvimento da autoestima.

O Ideal do Ego e o Narcisismo

Um conceito também importante introduzido por Freud em sua discussão sobre o narcisismo foi o “ideal do ego”. Este ideal representa o que o indivíduo aspira ser, formado a partir da internalização das expectativas parentais e sociais. O narcisismo, neste contexto, pode ser entendido como o amor do ego por si mesmo em relação a este ideal.

Freud trouxe o entendimento de que o narcisismo infantil é gradualmente transferido para este ideal do ego, que serve como uma espécie de modelo ao qual o indivíduo tenta se conformar.

Esta transferência é muito importante para o desenvolvimento da personalidade e da autoestima.

Narcisismo e Escolha de Objeto

Freud também explorou como o narcisismo influencia nossas escolhas amorosas. Ele propôs dois tipos principais de escolha de objeto:

  1. Tipo Anaclítico (ou de Apoio): Onde o indivíduo escolhe objetos de amor baseados nos cuidadores primários.
  2. Tipo Narcisista: Onde o indivíduo escolhe objetos de amor que se assemelham a si mesmo ou a um ideal de si mesmo.

Esta distinção ofereceu uma amplitude sobre a visão acerca dos padrões de relacionamento e as relações amorosas.

O Narcisismo e a Teoria das Pulsões

A introdução do conceito de narcisismo teve implicações significativas para a teoria das pulsões de Freud.

Inicialmente, Freud havia proposto uma dualidade entre pulsões sexuais e pulsões de autopreservação.

No entanto, o conceito de narcisismo desafiou esta distinção, já que implicava que o ego poderia ser um objeto de investimento libidinal.

Esta complicação eventualmente levou Freud a reformular sua teoria das pulsões, culminando na introdução da pulsão de morte em uma das suas mais importantes obras o ensaio “Além do Princípio do Prazer” (1920).

Críticas e Desenvolvimentos Posteriores

A teoria freudiana do narcisismo, assim como grande parte de sua teoria, não ficou sem críticas.

Alguns teóricos argumentaram que Freud subestimou a importância das relações objetais precoces, enquanto outros questionaram a validade empírica de conceitos como o narcisismo primário.

No entanto, o conceito de narcisismo provou ser incrivelmente fértil para desenvolvimentos teóricos posteriores na psicanálise até a atualidade.

Autores pós-freudianos como Heinz Kohut e Otto Kernberg expandiram significativamente o entendimento psicanalítico do narcisismo, particularmente em relação às patologias narcisistas.

O Legado do Conceito Freudiano de Narcisismo

O conceito de narcisismo, como elaborado por Freud, teve um impacto muito duradouro não apenas na psicanálise, mas na psicologia e na cultura de forma geral.

Ele nos ofereceu uma nova lente através da qual podemos enxergar e entender o desenvolvimento da personalidade humana, a autoestima, as relações objetais e muitos outros conceitos.

Alguns dos legados do conceito freudiano de narcisismo incluem:

  1. Uma compreensão mais nuançada do amor próprio: O narcisismo não é simplesmente patológico, mas um componente necessário do desenvolvimento saudável.
  2.  Insights sobre a formação da identidade: A teoria do narcisismo ilumina como formamos nosso senso de self e como isso influencia nossas interações com os outros.
  3. Uma base para entender patologias narcisistas: Embora Freud não tenha elaborado extensivamente sobre o narcisismo patológico, seu trabalho lançou as bases para desenvolvimentos posteriores nesta área.
  4. Uma nova perspectiva sobre as relações objetais: A teoria do narcisismo ofereceu insights sobre como nossas relações com os outros são moldadas por nossa relação conosco mesmos.
  5. Um conceito ponte entre a psicologia individual e a social: O narcisismo, como Freud o conceituou, tem implicações tanto para o desenvolvimento individual quanto para fenômenos sociais mais amplos.

Conclusão: Do Mito à Compreensão Psicanalítica

Toda a jornada do conceito de narcisismo, desde o mito grego até a teoria psicanalítica freudiana, é um testemunho vivo do poder das ideias para evoluir e se enriquecer.

O que começou como uma história sobre amor-próprio excessivo se transformou em um conceito complexo que traz à luz aspectos muito fundamentais da psique humana.

A elaboração de Freud sobre o narcisismo não apenas enriqueceu a teoria psicanalítica, mas também ofereceu uma nova linguagem e estrutura para entender aspectos da experiência humana que antes eram difíceis de articular. Desde a formação da identidade até a forma como se dão os relacionamentos, o conceito de narcisismo continua a oferecer um olhar muito rico.

Sejam psicanalistas, como eu, ou pessoas apenas interessadas no funcionamento da mente humana, continuamos a explorar e expandir nossa compreensão do narcisismo.

Reconhecemos que, assim como Narciso se viu refletido nas águas do lago, o conceito de narcisismo nos oferece um reflexo de aspectos profundos e muitas vezes ocultos de nossa própria psique.

Se você se encontra intrigado por estas ideias e deseja explorar mais profundamente como o narcisismo pode estar operando em sua própria vida, considere embarcar em uma jornada de autodescoberta através da psicanálise. A compreensão de nossos próprios padrões narcísicos pode abrir caminho para um self mais integrado e relações mais satisfatórias.

Lembre-se, o espelho de Narciso não precisa ser uma armadilha, com compreensão, pode se tornar uma ferramenta para o crescimento e a transformação pessoal.

O narcisismo na ótica da psicanálise

O narcisismo na ótica da psicanálise

Desvendando o Narcisismo com o olhar da Psicanálise

O narcisismo intriga e encanta tanto os leigos quanto os profissionais de saúde mental.

Frequentemente mal compreendido e simplificado na cultura popular, o narcisismo ilustra o um fenômeno complexo e com muitas camadas que merece uma investigação mais aprofundada.

Neste post, procurei explorarar o narcisismo desdobrando suas origens, manifestações e implicações sob a perspectiva da psicanálise freudiana e não freudiana.”  

Narcisismo na Psicanálise: Além das Questões Patológicas

Antes de me aprofundar neste tema, é importante estabelecer uma clara distinção entre o narcisismo como conceito psicanalítico e o Transtonro de Personalidade Narcisista que é uma condição psiquiatríca específica.

Para a psicanálise, o narcisismo é um termo que não é necessariamente patológico; ao contrário disso, é considerado parte indispensável do desenvolvimento da mente humana. Sigmund Freud em seu ensaio “Sobre o Narcisismo: Uma Introdução” (1914) sugeriu que o narcisismo representa uma fase normal do desenvolvimento psíquico de todos nós.

Ele sugeriu que todas as pessoas passam por uma fase inicial de narcisismo na infância em que se concentram totalmente em si mesmas emocionalmente e esse processo é fundamental para estabelecer uma identidade coesa e construir a autoestima necessária para o desenvolvimento pessoal posteriormente.

O narcisismo posterior surge quando a energia libidinal inicialmente direcionada para outras pessoas é redirecionada para o próprio Eu.  Esse processo pode ser vivenciado em diferentes momentos ao longo da vida adulta, desde conquistas pessoais até períodos de recuperação de enfermidades ou traumas.

As Origens Freudianas do Narcisismo para a Psicanálise

Para comprender o conceito de narcisismo na psicanálise, é preciso voltar às raízes freduanas. Freud argumentava que o narcisismo representava uma fase intermediária entre o autoerotismo e o amor por objetos. Ele enxergava o narcisismo como um reservatório de libido do qual derivavam os investimentos emocionais em objetos e para onde poderiam retornar.  Freud também introduziu o conceito do “ideal do ego”, uma estrutura psicológica que representa a aspiração do indivíduo para aquilo que deseja ser. Esse ideal é formado pela internalização das expectativas dos pais  da sociedade,e atua como um padrão com o qual o ego se compara.

O narcisismo,neste contexto,pode ser compreeendido como o amor próprio, do Ego em relação a esse ideal.

Além de Freud: Considerações pós-freuadianas.

Depois de Freud,vários psicanalistas ampliaram e retrabalharam o conceito de narcisismo.

Heinz Kohut desenvolveu a Psicologia do Self com ênfase no papel central do narcisismo no desenvolvimento psicológico humano.

Kohut via o narcisismo não como um obstáculo a ser superado, ao contrário disso, ele o considerava uma energia vital que deveria ser integrada de maneira saudável na formação da personalidade.

Por outro lado Otto Kernberg se concentrou nos aspectos patológicos do narcisismo em suas pesquisas.

Ele identificou e detalhou o perfil da “personalidade narcísica”, caracterizada por sentimentos exacerbados de grandiosidade e necessidades excessivas por admiração, assim como, pela falta de empatia para com os outros.

A teoria de Kernberg sugere que essa condição surge de deficiências no desenvolvimento inicial da pessoa e sua capacidade de integrar as representações positivas e negativas de si mesmo e dos outros indivíduos.

André Green introduziu os conceitos de “narcisismo da vida” e “narcisismo da morte”, onde o primeiro envolve um investimento saudável em si mesmo e o segundo descreve uma retirada defensiva e autodestrutiva.

O narcisismo na contemporaneidade

No contexto atual da cultura digital, o narcisisimo assume novas formas e manifestações.

As plataformas online voltadas para interações sociais têm sido apontadas frequentemente como impulsionadoras do comportamento narcísico por sua ênfase na autopromoção e na busca por validação externamente.

Christopher Lasch discutiu em profundidade essas questões em seu renomado livro “A Cultura do Narcisismo”, escrito em 1979 argumentando que a cultura contemporânea encoraja e recompensa características narcísicas embora suas reflexões tenham sido feitas antes da ascensão das redes sociais suas ideias sobre a obsessão da sociedade, com a imagem pessoal e o sucesso individual parece ainda mais pertinente na atualmente.

O narcisismo e o culto ao corpo

O cultivo da imagem corporal é visto como um fenômeno contemporâneo que também pode ser analisado sob a perspectiva do narcisismo, atualmente em voga na sociedade em geral.

A busca incessantemente pela obtenção de um corpo considerado “ideal” pode ser interpretado como uma expressão do conceito freudiano de ego idealizado, no qual o corpo passa a ser objeto de um investimento narcísico intenso.

O Narcisismo no Contextos dos Relacionamentos: O Desafio da Interação Social

Um dos aspectos mais complexos relacionados ao narcisismo prejudicial, que é o patológico, está ligado aos seus impactos nos laços interpessoais.

Aqueles com traços narcisistas acentuados frequentemente enfrentam dificuldades ao estabelecerem relacionamentos saudáveis baseados na reciprocidade genuína.

A psicanálise contemporânea destaca a importância da intersubjetividade e fornece um importante olhar sobre como o narcisismo influencia as relações interpessoais.

Teorias de estudiosos como Jessica Benjamin enfatizam que o reconhecimento mútuo desempenha um papel muito importante no desenvolvimento saudável da psique e que falhas nesse processo podem resultar em padrões relacionais narcisistas.

Diferenças entra o Tratamento psicanalícico e o psiquiátrico

Tratar o narcisismo no âmbito da psicanálise envolve tratar a autoestima, que no fim das contas é o que fica do processo de narcisismo no desenvolvimento do ego.

Já o narcisismo patológico é um transtorno que envolve um tratamento psiquiátrico, sendo nesse caso a psicanálise entra apenas como um coadjuvante.

Os obstáculos frequentes incluem resistência à mudança, o contraste entre a aparente grandiosidade e a fragilidade do ego, e a dificuldade em estabelecer uma relação terapêutica, fazem com que a psicanálise não supra os desafios de um tratamento eficaz quando se trata de narcisismo patológico.

Por isso, é importante ter em mente as diferenças entre o narcisismo patológico e o narcisismo no âmbito da psicanálise.

No entanto, a psicanálise dispõe de ferramentas interessantes.

Para lidar com essas questões de forma eficiente é preciso considerar diversos aspectos psicológicos para o autoconhecimento profundo de cada indivíduo, com uma visão mais crítica em relação ao narcisismo associado à personalidade humana.

A reflexão sobre o narcisismo vai além de ser apenas um traço de personalidade indesejável, trata-se de um conceito essencial na psicanálise que nos leva a questionar a natureza do Ego, o desenvolvimento da identidade e os desafios das interações sociais e o nível de autoestima decorrente desse processo. 

Entender o narcisismo em suas diversas dimensões pode ser útil para navegarmos pelas nossas próprias emoções e relacionamentos de forma mais consciente.

Reconhecer nossas próprias características narcísicas ou lidar com o narciso do próximo pode algo bem difícil e com seus desafios, mas os ensinamentos da psicanálise oferecem uma orientação muito completa nesses momentos de incerteza emocional.

Se você se sente curioso sobre as complexidades do narcismo ou como ele afeta sua vida diária, talvez seja útil mergulhar mais profundamente nesse tópico, por meio da terapia psicanalítica.

O processo analítico tem o potencial de revelar visões muito profundas a respeito de seus padrões psíquicos, colocando em perspectiva seu comportamento em relação aos outros. E contribui para a formação de um Ego mais coeso bem como relacionamentos mais gratificantes.

É importante ter em mente que o reflexo do narcicismo não precisa ser uma armadilha,  pois através de compreensão e terapia dedicada pode se transformar em uma oportunidade para uma existência mais plena e completa.

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