Hoje, gostaria de abordar um tema que considero muito delicado e profundamente doloroso, que é a perda de um filho.
Como psicanalista e psicóloga, tenho me debruçado sobre o tema acerca do processo de luto de pais e responsáveis que vivenciaram essa experiência tão terrível , e sinto que é importante compartilhar algumas reflexões sobre esse processo de luto tão complexo.
Índice
Como lidar com a morte de um filho
A morte de um filho é uma das experiências mais traumáticas que um ser humano pode enfrentar. Rompe com a ordem natural da vida, na qual acreditamos que os pais deveriam partir antes dos filhos.
Essa é uma ferida narcísica profunda, que abala as bases da identidade parental e confronta a pessoa enlutada com a finitude da vida de forma brutal.
Sigmund Freud, escreveu no texto “Luto e Melancolia” (1917), que o luto de uma forma geral como é uma reação natural à perda de um objeto amado, que demanda um trabalho psíquico intenso.
No caso específico da perda de um filho, esse trabalho se torna ainda mais árduo, pois envolve o desinvestimento libidinal de um objeto que era parte fundamental da própria vida e identidade do enlutado.
Emoções vividas no luto
Nesse processo de luto, é comum que os pais enlutados vivenciem uma série de emoções muito intensas e também contraditórias. A negação inicial, a raiva, a culpa, a barganha e a profunda tristeza fazem parte desse turbilhão emocional. É muito importante acolher e legitimar esses sentimentos, sem julgamentos ou expectativas de um “tempo certo” para a elaboração do luto.
Não é possível imaginar o tão forte é a dor dessa perda, e por isso, o luto pela perda de um filho é um processo que talvez nunca se encerre completamente. É uma ferida que cicatriza, mas que sempre carregará a marca da ausência. E é justamente por isso que é preciso aprender a conviver com essa falta, ressignificando a relação com o filho perdido e encontrando novos investimentos libidinais.
No trabalho clínico com pais enlutados, é preciso oferecer um espaço de escuta acolhedor e não-julgamental.
Como psicanalista, penso que é preciso estar atenta às particularidades de cada caso, respeitando o tempo e o ritmo de cada enlutado. Não se trata de buscar uma “superação” ou o “esquecimento” do luto, mas sim de acompanhar o paciente em seu processo de elaboração e ressignificação da perda.
Pontos importantes a serem trabalhados no processo terapêutico
Legitimação e acolhimento dos sentimentos
É necessário que o enlutado se sinta acolhido e compreendido em seu sofrimento. O psicanalista deve oferecer um espaço seguro para a expressão das emoções, sem julgamentos ou expectativas de “superação”.
Elaboração da culpa
Muitos pais enlutados vivenciam intensos sentimentos de culpa, ainda que não tenham de fato culpa alguma, mas se questionam se poderiam ter feito algo para evitar a perda. É importante trabalhar esses sentimentos, compreendendo sua origem e buscando uma ressignificação.
Ressignificação da relação com o filho perdido
O processo de luto envolve uma reorganização da relação com o objeto perdido. É preciso encontrar novas formas de se relacionar com a memória do filho, sem que isso impeça o investimento em novos objetos e projetos de vida.
Fortalecimento dos vínculos familiares e sociais
A perda de um filho pode abalar profundamente as relações familiares e sociais. É importante trabalhar a comunicação e o apoio mútuo entre os membros da família, fortalecendo esses vínculos.
Respeito ao tempo particular de cada enlutado
Não existe um “prazo certo” para a elaboração do luto. Cada pessoa vivencia esse processo de forma pessoal, e é fundamental respeitar essa singularidade.
Grupos de apoio
Além do trabalho terapêutico individual, existem também grupos de apoio voltados para pais enlutados. Esses espaços de troca e acolhimento podem ser muito benéficos, permitindo o compartilhamento de experiências e o fortalecimento mútuo.
Ressiginificar a dor
É importante também dizer que, apesar da intensidade da dor, é possível encontrar caminhos para a ressignificação da vida após a perda de um filho.
Não se trata de esquecer ou substituir o filho perdido, mas sim de aprender a conviver com sua ausência, encontrando novos sentidos e investimentos libidinais.
O trabalho de luto envolve também um processo criativo, no qual o enlutado pode sim encontrar novas formas de existir e de se relacionar com o mundo. É um processo extremamente doloroso, mas que também pode ser transformador.
Considerações finais
Encerro este post com um convite à reflexão e ao acolhimento. Se você está vivenciando o luto pela perda de um filho, saiba que não está sozinho(a). Busque apoio, seja na terapia, nos grupos de suporte ou junto a familiares e amigos. Permita-se vivenciar seu processo de luto, sem cobranças ou expectativas. E, acima de tudo, tenha compaixão consigo mesmo(a) nesse momento tão delicado.
Se você conhece alguém que esteja passando por essa experiência, ofereça sua escuta e seu suporte. Muitas vezes, um gesto de acolhimento e compreensão pode fazer toda a diferença.
Que possamos, como sociedade, falar mais abertamente sobre o luto e a perda, oferecendo espaços seguros para a elaboração dessa dor. E que possamos, como indivíduos, encontrar caminhos para ressignificar nossas vidas após as perdas que nos atravessam.
Priscila Soares Falchi
Priscila Soares Falchi é Psicanalista formada pelo instituto IBCP de SP e Psicóloga Clínica (CRP 06/200925). Pós-graduanda em Psicanálise Contemporânea pela PUCRS e com especialização livre em Práticas Clínicas na Infância. Também é Graduada em Gestão Empresarial com Pós-graduação em Marketing e comunicação e pós-graduação em Docência do Ensino superior pelo SENAC de SP.
O luto é uma jornada turbulenta que mexe muito com a gente, sendo transformadora e difícil, e pela qual todos nós passamos em algum momento de nossas vidas.
O luto é uma experiência que, infelizmente, pode nos acompanhar em diversos momentos da vida, mas quando ocorre na infância, o processo tende a se manifestar de forma distinta em comparação à fase adulta.
As crianças, que estão em pleno desenvolvimento emocional e cognitivo, necessitam de certos cuidados específicos, para preservar sua saúde mental e bem-estar durante esse período tão delicado.
Neste post, procurei explorar algumas das particularidades do luto infantil, pela perspectiva psicanalítica, para que pais, cuidadores e responsáveis pela criança enlutada, possam oferecer um suporte para que a criança possa elaborar a perda de maneira saudável.
Entendendo o luto infantil para apoiar as crianças na perda
O luto infantil é o processo pelo qual as crianças passam ao enfrentar a perda de alguém significativo em suas vidas, como um dos pais, um irmão, um avô ou até mesmo um animalzinho de estimação.
Diferentemente dos adultos, as crianças estão em constante desenvolvimento emocional e cognitivo, o que influencia diretamente na maneira como elas percebem e lidam com a morte.
Muitas vezes, as crianças não compreendem completamente o conceito de morte e da perda, podendo encará-la como algo temporário ou reversível.
Como resultado disso, elas podem expressar o luto de maneiras que os adultos nem sempre conseguem compreender, como por exemplo, apresentando algumas mudanças comportamentais, regressão a estágios anteriores de desenvolvimento, manifestações físicas (dores de cabeça ou de estômago), brincadeiras que recriam a perda ou até mesmo sonhos e pesadelos relacionados ao ente querido falecido.
Diante dessas particularidades, é importante que os adultos ao redor da criança estejam atentos e preparados para oferecer suporte emocionaol, reconhecendo que o luto infantil requer uma abordagem sensível e adaptada às necessidades específicas de cada criança.
Índice
A perspectiva psicanalítica sobre o luto infantil
A psicanálise freudiana compreende o luto como um processo natural e necessário para a elaboração da perda. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, descreveu o luto como um trabalho psíquico que envolve a retirada da libido (energia psíquica) investida no objeto perdido (o ente de faleceu).
Para as crianças, esse processo pode ser ainda mais complexo, dado o seu estágio de desenvolvimento emocional e cognitivo.
Freud também explicou, que o luto é um processo de desinvestimento da energia psíquica que estava direcionada ao objeto amado que foi perdido. Esse processo de desinvestimento é doloroso e requer tempo, sendo ainda mais difícil para as crianças, que estão formando sua compreensão sobre a morte e a perda.
A elaboração, processo pelo qual a criança trabalha seus sentimentos de luto até chegar à aceitação da perda, pode ser facilitada quando conta com apoio profissional, como por exemplo, de uma terapia psicanalítica.
Nesse espaço terapêutico, que é seguro e acolhedor, a criança pode explorar seus sentimentos, inclusive aqueles que podem estar no inconsciente, permitindo que ela os processe de maneira saudável.
Como as crianças vivenciam o luto?
As crianças, como eu já disse, podem vivenciar o luto de maneiras muito diferentes dos adultos, expressando seus sentimentos não por palavras, mas por comportamentos, uma vez que nem sempre possuem a capacidade de verbalizá-los.
Algumas manifestações comuns do luto infantil incluem:
Mudanças de comportamento
Regressão a comportamentos de estágios anteriores de desenvolvimento, como chupar o dedo ou molhar a cama.
Agressividade, demonstrando raiva e frustração.
Isolamento, retirando-se de atividades sociais e preferindo ficar sozinha.
Brincadeiras
As crianças frequentemente processam suas emoções através de brincadeiras, recriando a perda como uma forma de tentar entender e lidar com a situação. Isso pode incluir brincar de “faz de conta” que alguém morreu ou brincar de funerais.
Sintomas físicos
O luto pode se manifestar em sintomas físicos, como dores de cabeça, dores de estômago ou outros problemas de saúde, sendo uma forma de a criança expressar sua dor emocional.
Sonhos e pesadelos
As crianças podem ter sonhos ou pesadelos relacionados à perda, processando seus sentimentos de luto durante o sono.
Como ajudar uma criança a lidar com o luto?
Para ajudar uma criança a lidar com o luto, é muito importante que os adultos ao seu redor estejam atentos e preparados para oferecer o suporte necessário.
Algumas estratégias incluem:
Comunicação aberta
Fale sobre a morte de maneira honesta e apropriada para a idade da criança, evitando eufemismos que possam confundi-la ainda mais.
Por exemplo, em vez de dizer que a pessoa “foi dormir para sempre” ou que “o cachorrinho de estimação virou estrelinha” , explique que a pessoa ou o pet faleceu e não voltará mais.
O tom de voz acolhedor e a comunicação de que você está alí para acolhê-la irá amenizar o choque inicial
Validação dos sentimentos
Reconheça e valide os sentimentos da criança, permitindo que ela expresse sua tristeza, raiva ou confusão sem julgamento.
Reforce que é normal sentir-se triste ou com raiva quando alguém morre.
Ritualização
Participar de rituais de despedida, como funerais, pode ajudar a criança a compreender a realidade da perda e iniciar o processo de luto. Explique à criança o que acontecerá no funeral e permita que ela participe se desejar.
A criança numa faixa etária que consiga ter compreensão do que acontece, pode manifestar o desejo de comparecer ou não.
Manutenção da rotina
Manter uma rotina estável pode proporcionar um senso de segurança e normalidade durante um período de grande incerteza. Tente manter as atividades diárias da criança o mais normal possível.
Apoio terapêutico
Considerar a ajuda de um profissional, como um psicanalista infantil, pode ser benéfico para ajudar a criança a elaborar a perda de maneira saudável, proporcionando um espaço seguro para que ela expresse seus sentimentos e trabalhe seu luto.
Nós psicanalistas que também tratamos de crianças, temos recursos terapêuticos que podem contribuir para o bem-estar emocional da criança.
A importância do apoio familiar
O apoio familiar é fundamental para ajudar a criança a lidar com o luto, proporcionando um ambiente de amor e segurança.
Algumas maneiras pelas quais a família pode apoiar a criança incluem:
Estar presente
Esteja disponível para a criança, oferecendo seu apoio.
Às vezes, apenas estar lá com a criança e ouvi-la pode fazer uma enorme diferença.
Demonstrar afeto
Mostre à criança que ela é amada e cuidada. O afeto pode proporcionar conforto e segurança durante um período difícil.
Encorajar a expressão de sentimentos
Encoraje a criança a expressar seus sentimentos de maneira saudável, seja falando sobre eles, desenhando ou escrevendo sobre a perda.
Manter a memória viva
Ajude a criança a manter a memória do ente querido viva, falando sobre a pessoa, olhando fotos ou criando um álbum de memórias.
Conclusão
O luto infantil é um tema delicado e complexo, mas com o apoio adequado, as crianças podem aprender a lidar com a perda de maneira saudável e resiliente. Compreender as particularidades do luto na infância e estar emocionalmente disponível para acolher e validar os sentimentos da criança são aspectos essenciais nesse processo.
A psicanálise freudiana oferece uma compreensão profunda do luto infantil, reconhecendo-o como um trabalho psíquico necessário para a elaboração da perda. Através da terapia psicanalítica, a criança pode encontrar um espaço seguro para explorar seus sentimentos e processar o luto de maneira saudável. A compreensão e o apoio são fundamentais para ajudar os pequenos a navegar por esse difícil caminho.
Se você deseja saber mais sobre como a psicanálise pode ajudar no processo de luto infantil, explore outros artigos qeu escrevi aqui no blog sobre o tema.
Priscila Soares Falchi
Priscila Soares Falchi é Psicanalista formada pelo instituto IBCP de SP e Psicóloga Clínica (CRP 06/200925). Pós-graduanda em Psicanálise Contemporânea pela PUCRS e com especialização livre em Práticas Clínicas na Infância. Também é Graduada em Gestão Empresarial com Pós-graduação em Marketing e comunicação e pós-graduação em Docência do Ensino superior pelo SENAC de SP.
O luto é uma jornada turbulenta que mexe muito com a gente, sendo transformadora e difícil, e pela qual todos nós passamos em algum momento de nossas vidas.
O luto é uma experiência inevitável, mas quando se trata de crianças, a compreensão e o apoio adequados são de extrema importância.
A perda de um ente querido pode ser confusa e dolorosa para os pequenos, que muitas vezes não possuem as ferramentas emocionais para lidar com a situação tristeza e perda.
Como psicanalista e psicóloga, penso que é fundamental na psicanálise de crianças, abordar o luto infantil com muita sensibilidade e conhecimento das questões psíquicas envolvidas.
Índice
O luto infantil e a psicanálise
Na psicanálise freudiana, entendemos que o luto é um processo natural e necessário para a elaboração da perda.
Freud, em seu ensaio “Luto e Melancolia” (1917), descreveu o luto como um trabalho psíquico que envolve a retirada da libido investida no objeto perdido. Para as crianças, esse processo pode ser ainda mais complexo e difícil, pois elas ainda estão em desenvolvimento emocional e cognitivo.
As crianças podem não compreender completamente o conceito de morte e podem expressar seu luto de maneiras que os adultos não esperam, como por exemplo, se expressando por meio de brincadeiras, ter mudança de comportamento ou até mesmo apresentar um quadro de regressão a estágios anteriores de desenvolvimento.
O que os adultos podem fazer sobre o luto infantil
Primeiramente é importante dizer que os adultos ao redor da criança precisam estar atentos e preparados para oferecer todo o suporte necessário, por mais dor que também por ventura estejam sentido.
Vou colocar algumas maneiras que podem ajudar a criança a lidar com o luto:
Comunicação Aberta Fale sobre a morte de maneira honesta e com uma linguagem apropriada para a idade da criança, mas que explique a real situação. Evite eufemismos que possam confundir ainda mais, como por exemplo ” ah.. vovó virou estrelinha”. Pode parecer algo confortante mas na verdade não ajuda na elaboraçao da criança.
Validação dos Sentimentos Reconheça e valide os sentimentos da criança, permitindo que ela expresse sua tristeza, raiva ou confusão sem julgamento. É normal sentir saudade e a dor da ausência, mas é um processo que a criança inevitavelmente irá se deparar. Dar vazão a este sentimento faz parte do processo de luto.
Ritualização Participar de rituais de despedida, como funerais, pode ajudar a criança a compreender a realidade da perda e iniciar o processo de luto. Sei que muitos pais e respondáveis evitam de levar a criança a um enterro, por exemplo, mas a depender da idade, isso faz parte do processo de despedida e elaboração da real situação aconteça de maneira natural.
Manutenção da Rotina Manter uma rotina estável pode proporcionar um senso de segurança e normalidade durante um período de grande incerteza.
Apoio Terapêutico Considerar a ajuda de um profissional, como um psicanalista infantil, pode ser benéfico para ajudar a criança a elaborar a perda de maneira saudável.
Considerações finais
O luto infantil é um tema delicado e complexo, mas com o apoio adequado, as crianças podem sim aprender a lidar com a perda de maneira saudável e resiliente. A compreensão e o apoio são fundamentais para ajudar os pequenos a navegarem por esse difícil caminho.
Se você deseja saber mais sobre como a psicanálise pode ajudar no processo de luto, acompanhe meus outros posts sobre o tema.
Priscila Soares Falchi
Priscila Soares Falchi é Psicanalista formada pelo instituto IBCP de SP e Psicóloga Clínica (CRP 06/200925). Pós-graduanda em Psicanálise Contemporânea pela PUCRS e com especialização livre em Práticas Clínicas na Infância. Também é Graduada em Gestão Empresarial com Pós-graduação em Marketing e comunicação e pós-graduação em Docência do Ensino superior pelo SENAC de SP.
O luto é uma jornada turbulenta que mexe muito com a gente, sendo transformadora e difícil, e pela qual todos nós passamos em algum momento de nossas vidas.
“A morte não é a perda da pessoa amada, mas a perda de quem nós éramos com ela.” – Autor Desconhecido
Essa frase captura de forma poética a essência do luto, que é uma experiência de perda que vai além da ausência física de um ente querido.
A complexidade do luto
O luto é um processo de redescoberta e reconstrução de nós mesmos, algo que nos desafia a ressignificar nossa identidade e o nosso lugar no mundo após a partida de alguém ou de algo que fazia parte de nossa história.
Como psicanalista, tenho acompanhado de perto essa história íntima e transformadora de pacientes que vivem o luto.
Cada história de luto é única e tecida por memórias, afetos e significados pessoais. No entanto, por trás dessa diversidade, há também fios comuns que nos conectam na experiência universal da perda.
Ao longo dos meus estudos, da prática clínica e na vida pessoal, tenho testemunhado as diferentes faces do luto, do considerado luto normal ao luto complicado, do luto antecipado ao luto simbólico.
Cada uma dessas faces reflete a complexidade psíquica do processo de elaboração da perda, que nos desafia a encontrar novos caminhos para lidar com o vazio da ausência e a construção novos sentidos para a vida.
A psicanálise, desde os estudos de Sigmund Freud, tem se debruçado sobre a complexidade do luto, buscando compreender suas manifestações, seus mecanismos psíquicos e suas possíveis complicações.
Em seu texto “Luto e Melancolia” (1917), Freud estabeleceu uma diferença fundamental entre o luto normal e o luto patológico, apontando as bases para uma compreensão mais profunda desse fenômeno.
Índice
O Luto Normal
Um Processo de Desligamento e Reinvestimento O luto normal é uma reação natural e esperada diante da perda de um objeto amado, seja uma pessoa, um animal de estimação ou mesmo um ideal ou projeto de vida. É um processo gradual de adaptação à realidade da perda, que envolve um trabalho psíquico árduo de desligamento e reinvestimento libidinal.
Freud observou que, no luto normal, o ego reconhece que o objeto amado não mais existe e, aos poucos, retira o investimento libidinal que havia sido depositado nele. Esse processo de desinvestimento é doloroso e exige tempo e energia psíquica.
O enlutado pode vivenciar um leque de emoções, como tristeza, raiva, culpa e saudade, além de sintomas físicos como perda de apetite, insônia e fadiga.
No entanto, com o passar do tempo e o trabalho de luto, a tendência é que o indivíduo enlutado consiga gradualmente ir se adaptando à ausência do objeto perdido ao ponto de começar a reinvestir sua energia emocional em novos objetos e relacionamentos.
A libido antes dirigida ao objeto perdido é redirecionada para o mundo externo, permitindo que a vida seja retomada, ainda que transformada pela experiência da perda.
A Melancolia
Quando o Luto se torna patológico nem sempre o processo segue esse curso normal. Em alguns casos, o indivíduo pode desenvolver uma reação patológica à perda, que Freud denominou de melancolia.
Na melancolia, há uma identificação excessiva com o objeto perdido, levando a uma perda significativa da autoestima e a sentimentos intensos de culpa e autorrecriminação.
Para Freud, na melancolia o indivíduo internaliza o objeto perdido, tornando-o parte de seu próprio ego.
Essa identificação narcísica leva a uma confusão entre o ego e o objeto, de modo que a raiva e a crítica dirigidas ao objeto perdido são voltadas para ele próprio.
O melancólico se sente empobrecido e desprovido de valor, vivenciando uma profunda sensação de vazio e desesperança.
Ao contrário do luto normal, na melancolia não há um reinvestimento da libido em novos objetos. O indivíduo permanece fixado no objeto perdido, incapaz de se desligar dele e de investir em novos vínculos afetivos. Essa fixação pode levar a um estado de estagnação emocional e a uma perda significativa da qualidade de vida.
Outras Faces do Luto
Além da distinção clássica entre luto normal e melancolia, a psicanálise contemporânea tem explorado outras faces do luto, reconhecendo a diversidade de experiências e reações possíveis diante da perda.
O luto antecipado, por exemplo, é vivenciado antes da perda concreta, quando há uma ameaça iminente de perda, como no caso de uma doença terminal.
Nesse tipo de luto, o indivíduo começa a se preparar emocionalmente para a perda, iniciando o processo de desligamento antes mesmo da morte propriamente dita. Esse processo pode envolver uma oscilação entre a esperança e a desesperança, entre o apego e o desapego.
Já o luto complicado se caracteriza por uma intensidade e duração atípicas da dor do luto, que interferem muito na capacidade do indivíduo de retomar sua vida e seguir em frente.
Nesse tipo de luto, os sintomas do luto normal são muito ampliados e prolongados, levando a um sofrimento intenso e incapacitante.
O enlutado pode ter dificuldade em aceitar a realidade da perda, vivenciar sentimentos de culpa excessiva ou apresentar comportamentos de evitação e isolamento social.
Outro tipo de luto que tem ganhado atenção na psicanálise é o luto simbólico, relacionado a perdas abstratas ou intangíveis, como o fim de um relacionamento, a perda de um emprego ou a frustração de um sonho.
Embora não envolvam uma morte concreta, essas perdas podem desencadear um processo de luto similar, exigindo um trabalho psíquico de elaboração e ressignificação.
A Jornada do Luto
O processo de perda e elaboração é sempre uma jornada árdua e transformadora. É um caminho que nos confronta com nossa própria finitude, com a impermanência dos vínculos e com a necessidade de encontrar novos sentidos e direções na vida.
Como psicanalista, tenho o privilégio de acompanhar pacientes nessa jornada, oferecendo um espaço seguro e acolhedor para a expressão e elaboração das emoções mais profundas.
A psicoterapia de orientação psicanalítica pode ser um recurso importante e benéfico para aqueles que enfrentam dificuldades no processo de luto, seja ele normal, patológico ou simbólico.
Atendimento psicanalítico no processo de luto
Na clínica psicanalítica, buscamos criar condições para que o paciente possa entrar em contato com sua dor, expressar seus sentimentos ambivalentes e conflituosos, e gradualmente integrar a perda em sua narrativa de vida.
Por meio da associação livre, da interpretação dos sonhos e da análise da transferência, exploramos os significados inconscientes da perda e os obstáculos psíquicos que podem dificultar o processo de luto.
Ao longo desse processo, o paciente tem a oportunidade de ressignificar sua relação com o objeto perdido, reconhecendo tanto os aspectos positivos quanto os negativos dessa relação.
A elaboração do luto envolve uma reavaliação das identificações e dos investimentos libidinais, permitindo que o indivíduo se aproprie de sua história e de seus desejos de forma mais autêntica.
Nesse sentido, o luto pode ser compreendido como uma experiência de crescimento e amadurecimento emocional. Quando enfrentamos a dor da perda e nos permitimos vivenciar o processo de luto em toda a sua complexidade, é possível ter a oportunidade de se transformar e descobrir novas forças internas de construção de novos sentidos para vida.
O tempo do luto
É importante dizer que não existe um tempo certo para a elaboração do luto. Cada pessoa tem seu próprio ritmo e seu próprio caminho a percorrer. Alguns podem vivenciar o luto de forma mais rápida e fluida, enquanto outros podem precisar de mais tempo e de mais apoio para atravessar essa jornada.
Como sociedade, precisamos criar espaços mais acolhedores e compreensivos para o luto, reconhecendo-o como uma experiência legítima e necessária. Precisamos desmistificar os tabus em torno da morte e da perda, e oferecer suporte emocional e social para aqueles que estão vivenciando esse processo.
Se você está enfrentando um processo de luto, seja ele recente ou antigo, saiba que não está sozinho. A psicanálise oferece um caminho para a transformação do sofrimento em crescimento, para a ressignificação da perda e para a construção de novos sentidos. Não hesite em buscar ajuda profissional se sentir que precisa de apoio nessa jornada.
Considerações finais
O luto é uma experiência única e pessoal, mas também é uma experiência compartilhada por toda a humanidade. Quando nos permitirmos vivenciar e elaborar nossas perdas, estamos nos conectando com algo profundamente humano e universal. Estamos nos abrindo para uma transformação e renovação da vida, mesmo diante do entendimento de nossa finitude e impermanência.
Se você deseja se aprofundar ainda mais nesse tema tão importante, convido você a acompanhar outros posts que elaborei sobre luto e perda.
Priscila Soares Falchi
Priscila Soares Falchi é Psicanalista formada pelo instituto IBCP de SP e Psicóloga Clínica (CRP 06/200925). Pós-graduanda em Psicanálise Contemporânea pela PUCRS e com especialização livre em Práticas Clínicas na Infância. Também é Graduada em Gestão Empresarial com Pós-graduação em Marketing e comunicação e pós-graduação em Docência do Ensino superior pelo SENAC de SP.
O luto é uma jornada turbulenta que mexe muito com a gente, sendo transformadora e difícil, e pela qual todos nós passamos em algum momento de nossas vidas.
Imagine que você esteja em um barco, navegando pelas águas calmas de um lago. De repente, uma forte tempestade se forma no horizonte, trazendo ventos fortes e ondas violentas. Você se agarra ao barco, lutando para manter o equilíbrio enquanto a tormenta o sacode de um lado para o outro. Essa é uma metáfora poderosa para a experiência do luto.
O processo do luto
O luto é uma jornada turbulenta que mexe muito com a gente, sendo transformadora e difícil, e pela qual todos nós passamos em algum momento de nossas vidas.
Como psicanalista, busco estudar as complexidades emocionais dessa jornada sob a perspectiva da psicanálise, lançando um olhar compassivo sobre os mares agitados da perda.
Neste post, falarei das contribuições de grandes pensadores da psicanálise, como Sigmund Freud, Melanie Klein, John Bowlby e William Worden, para mostrar uma breve passagem do caminho daqueles que navegam pelas águas do luto.
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Sigmund Freud e o Trabalho do Luto
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, foi um dos primeiros teóricos a mapear os contornos do luto em sua obra.
Em seu artigo “Luto e Melancolia” (1917), Freud define o luto como a reação à perda de um ente querido ou de uma abstração equivalente, como pátria, liberdade ou ideal. Ele ressalta nessa obra que, embora o luto envolva um afastamento doloroso da realidade e um apego intenso ao objeto perdido, se trata de um processo normal e necessário para que possa ser feita uma elaboração psíquica da perda.
Freud compara o trabalho do luto a uma jornada árdua e gradual, na qual o enlutado deve enfrentar a realidade da perda e retirar o investimento libidinal do objeto perdido. Esse desinvestimento ocorre através da rememoração e da reevocação dos vínculos com o ente querido, permitindo que a libido seja lentamente desligada e reinvestida em novos objetos. Embora esse processo seja doloroso e exija tempo e energia psíquica, Freud enfatiza sua importância para a superação do luto e a retomada da vida.
Melanie Klein e a Posição Depressiva
Uma autora que considero importantíssima na questão do luto é Melanie Klein, renomada psicanalista austríaca, que aprofundou a nossa compreensão do luto ao desenvolver o conceito de posição depressiva. Segundo Klein, a capacidade de vivenciar o luto de maneira saudável está muito ligada à elaboração bem-sucedida da posição depressiva durante a infância.
Em poucas palavras, a posição depressiva é uma fase do desenvolvimento emocional primitivo, na qual o bebê percebe a mãe como um objeto total, capaz de proporcionar tanto gratificação quanto frustração. Essa percepção desperta sentimentos ambivalentes de amor e ódio, culpa e necessidade de reparação. Klein coloca que a elaboração adequada da posição depressiva na infância é fundamental para o desenvolvimento da capacidade de lidar com perdas e separações ao longo da vida.
No processo de luto, a pessoa enlutada revive inconscientemente a posição depressiva, lidando com sentimentos intensos de culpa, desamparo e desejo de reparação.
Dessa forma, a elaboração do luto envolve a reintegração dos aspectos bons e maus do objeto perdido, permitindo a internalização de uma imagem mais realista e integrada do ente querido.
Esse processo de integração é importante para que haja uma superação da ambivalência e a preservação de uma relação simbólica e amorosa com o objeto perdido.
John Bowlby e a Teoria do Apego
John Bowlby, é um psicanalista e psiquiatra britânico, que também trouxe uma perspectiva diferenciada sobre o processo de luto com a sua teoria do apego.
De acordo com Bowlby, a formação de vínculos afetivos é uma necessidade humana fundamental, e a perda desses vínculos pode desencadear reações emocionais intensas e desestabilizadoras.
Bowlby identificou em sua teoria, quatro fases distintas do processo de luto, que são o entorpecimento, a saudade e busca, a desorganização e desespero, e a reorganização. Cada uma dessas fases é caracterizada por um conjunto específico de reações emocionais e comportamentais que refletem a luta do enlutado, para se adaptar à ausência do objeto de apego.
A fase de entorpecimento é marcada por choque e negação, seguida pela fase de saudade e busca, na qual o enlutado anseia pelo retorno do ente querido e pode apresentar comportamentos de busca. Na fase de desorganização e desespero, a realidade da perda se impõe, trazendo sentimentos avassaladores de tristeza, raiva e desesperança. Por fim, na fase de reorganização, o enlutado começa a se adaptar à vida sem o objeto perdido, estabelecendo novos vínculos e encontrando novos significados.
Bowlby enfatiza a importância do apoio social e da expressão emocional autêntica no processo de luto, destacando que a repressão dos sentimentos pode levar a complicações e lutos não resolvidos.
Ele também ressalta a necessidade de compreender o luto como um processo individual e não linear, que pode variar em duração e intensidade de acordo com cada pessoa.
William Worden e as Tarefas do Luto
William Worden, por sua vez, é um psicólogo e pesquisador americano que propôs um modelo de tarefas do luto que complementa e expande as contribuições de Freud, Klein e Bowlby.
Worden identifica quatro tarefas essenciais que o enlutado deve enfrentar para elaborar a perda de forma saudável:
Aceitar a realidade da perda: O enlutado precisa confrontar e aceitar a irreversibilidade da perda, superando a negação e a descrença inicial.
Processar a dor do luto: É fundamental permitir-se vivenciar e expressar as emoções dolorosas associadas à perda, como tristeza, raiva, culpa e saudade.
Ajustar-se a um mundo sem o ente querido: O enlutado deve aprender a viver em um mundo no qual o ente querido está ausente, adaptando-se a novos papéis, rotinas e responsabilidades.
Encontrar uma conexão duradoura com o ente querido e seguir em frente: O enlutado precisa encontrar formas de manter um vínculo simbólico e significativo com o ente querido, ao mesmo tempo em que reinveste em sua própria vida e em novos relacionamentos.
Worden enfatiza que essas tarefas não seguem necessariamente uma ordem linear e podem ser revisitadas ao longo do processo de luto. Além disso, ele também destaca a importância do autocuidado, do apoio social e da busca por significado durante essa jornada emocional.
Considerações Finais
O luto é uma travessia tempestuosa e transformadora, que mobiliza os nossos recursos emocionais.
As contribuições de autores como Freud, Klein, Bowlby e Worden nos oferecem um farol para iluminar o caminho pelos mares agitados da perda.
Como psicanalista, tenho papel é oferecer um porto seguro, um espaço acolhedor e empático onde o enlutado possa expressar seus sentimentos, explorar suas ambivalências e encontrar seus próprios caminhos para a elaboração da perda.
Esse papel é pautado pelo atendimento humano em conjunto com uma base teórica, onde é fundamental respeitar o ritmo individual de cada pessoa, reconhecendo que o luto é uma jornada única e não linear.
Quando compreendemos as diferentes perspectivas psicanalíticas sobre o luto, podemos oferecer um suporte mais efetivo e compassivo àqueles que enfrentam as tempestades emocionais da perda.
O objetivo, como psicanalista, é ajudar o enlutado a encontrar um farol de esperança em meio à escuridão, a se reconectar com a vida e a cultivar uma relação simbólica e amorosa com o ente querido.
Se você está navegando pelos mares do luto e sente que precisa de um porto seguro, não hesite em buscar ajuda profissional.
Um psicanalista pode oferecer um espaço acolhedor para explorar seus sentimentos, compreender suas reações e encontrar recursos internos para enfrentar essa difícil travessia.
Lembre-se que o luto é uma expressão de amor e uma testemunha da importância dos vínculos afetivos em nossas vidas.
Ao nos permitirmos vivenciar e elaborar essa dor, estamos honrando a memória daqueles que amamos e nos abrindo para novas possibilidades de crescimento e transformação.
O luto é uma jornada difícil, mas também uma oportunidade de nos conectarmos com nossa própria resiliência e com a beleza da vida que continua, mesmo após a tempestade.
Priscila Soares Falchi
Priscila Soares Falchi é Psicanalista formada pelo instituto IBCP de SP e Psicóloga Clínica (CRP 06/200925). Pós-graduanda em Psicanálise Contemporânea pela PUCRS e com especialização livre em Práticas Clínicas na Infância. Também é Graduada em Gestão Empresarial com Pós-graduação em Marketing e comunicação e pós-graduação em Docência do Ensino superior pelo SENAC de SP.
O luto é uma jornada turbulenta que mexe muito com a gente, sendo transformadora e difícil, e pela qual todos nós passamos em algum momento de nossas vidas.
O luto é uma experiência universal, dolorosa e profundamente transformadora, que todos nós acabaremos por enfrentar em algum momento de nossas vidas.
Como psicanalista e psicóloga, tenho me dedicado a compreender e auxiliar pessoas nesse processo tão complexo e doloroso. Neste post, falarei sobre os conceitos fundamentais da teoria freudiana sobre o luto, bem como as fases descritas pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross em seu modelo do processo de luto.
Além disso, falarei sobre as implicações desses conhecimentos na prática clínica e na vida daqueles que estão enfrentando a perda de um ente querido.
Visão Psicanalítica sobre o Luto
Na visão freudiana sobre o luto Sigmund Freud, o pai da psicanálise, abordou o tema do luto em seu ensaio “Luto e Melancolia” (1917). Neste trabalho, Freud define o luto como a reação à perda de um objeto amado, seja uma pessoa, um ideal ou uma abstração, enfatizando que o luto é um processo natural e necessário, que envolve um trabalho psíquico de desligamento da libido investida no objeto perdido.
Freud descreve o trabalho do luto como um processo gradual e doloroso, no qual a pessoa enlutada deve confrontar a realidade da perda, e progressivamente retirar a energia emocional (libido) que havia investido no objeto amado.
Esse processo requer tempo e energia psíquica, pois cada lembrança e expectativa relacionada ao objeto perdido deve ser retomada, para que a libido possa ser desligada e, eventualmente, reinvestida em novos objetos.
Índice
Fases do Luto
As cinco fases do luto segundo a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross Elisabeth Kübler-Ross, envolve um modelo que descreve 5 fases mais comuns no processo de luto em seu livro “Sobre a Morte e o Morrer” (1969).
Embora esse modelo proposto por essa autora tenha sido inicialmente desenvolvido para compreender o processo de pacientes terminais, ele tem sido aplicado também para descrever a experiência de pessoas que estão enfrentando a perda de um ente querido.
É importante ressaltar que essas fases não ocorrem necessariamente em uma ordem linear e que nem todos vivenciam todas as fases da mesma maneira.
Negação e isolamento:
A primeira reação diante da perda pode ser a negação, uma recusa em aceitar a realidade da perda. O enlutado pode sentir-se atordoado, entorpecido emocionalmente e ter dificuldade em assimilar a notícia. Essa fase também pode ser marcada por um isolamento social, como uma tentativa de evitar o confronto com a realidade dolorosa.
Raiva:
À medida que a realidade da perda começa a ser assimilada, o enlutado pode vivenciar intensa raiva e ressentimento. Essa raiva pode ser direcionada a diversas fontes, como a pessoa falecida, a equipe médica, Deus ou o próprio enlutado. É comum que surjam questionamentos como “Por que isso aconteceu comigo?” ou “Como ele/ela pôde me abandonar?”.
Barganha:
Nesta fase, o enlutado pode tentar negociar com uma força superior, com o destino ou consigo mesmo, na tentativa de reverter a perda ou adiar o confronto com a realidade. Podem surgir pensamentos como “Se eu fizer isso, talvez ele/ela volte” ou “Se eu tivesse feito algo diferente, isso não teria acontecido”.
Depressão:
Quando a realidade da perda se torna inegável, o enlutado pode vivenciar uma profunda tristeza e desesperança. Essa fase é marcada por sentimentos de vazio, desamparo e apatia. O enlutado pode se afastar de atividades que antes lhe davam prazer e ter dificuldade em encontrar sentido na vida sem a presença do ente querido.
Aceitação:
Gradualmente, o enlutado começa a aceitar a realidade da perda e a se adaptar à vida sem a presença física do ente querido. Essa fase é caracterizada por uma retomada do interesse pela vida, por uma maior serenidade emocional e pela capacidade de lembrar do falecido com carinho, sem ser dominado pela dor intensa.
Como é o processo de Luto
É importante dizer que o processo de luto é uma experiência pessoal e única para cada pessoa e que as fases propostas por Kübler-Ross não devem ser entendidas como uma sequência rígida. Alguns enlutados podem vivenciar apenas algumas dessas fases, enquanto outros podem transitar entre elas de forma não linear. Além disso, a duração de cada fase pode variar significativamente de pessoa para pessoa.
Luto patológico e intervenção psicanalítica
Embora o luto seja um processo normal e necessário diante de uma perda, em alguns casos pode assumir um caráter patológico, configurando o que chamamos de luto complicado ou luto patológico.
Nesses casos, o enlutado pode apresentar sintomas intensos e persistentes, como tristeza profunda, culpa excessiva, ideação suicida, isolamento social e dificuldade em retomar as atividades cotidianas, mesmo após um período considerável desde a perda.
A intervenção psicanalítica pode ser de grande valor tanto para indivíduos que estão vivenciando um processo de luto normal quanto para aqueles que apresentam um luto complicado. No setting terapêutico, o analista oferece um espaço seguro e acolhedor para que o enlutado possa expressar seus sentimentos, explorar suas memórias e associações relacionadas ao objeto perdido e, gradualmente, elaborar a perda.
Através da relação transferencial, o analista auxilia o enlutado a confrontar a realidade da perda, a ressignificar sua relação com o objeto perdido e a lidar com os sentimentos ambivalentes que possam emergir durante o processo. A escuta empática e a interpretação dos conteúdos inconscientes favorecem a elaboração do luto e a retomada do investimento libidinal em novos objetos e atividades.
Contribuições da psicanálise
Além disso, a psicanálise pode contribuir para a prevenção de complicações no processo de luto, ao oferecer um espaço para a expressão e elaboração das emoções desde os momentos iniciais da perda. O suporte terapêutico pode auxiliar o enlutado a desenvolver recursos internos para lidar com a dor e a construir um novo sentido para a vida após a perda.
Considerações sobre conflitos mundiais, pandemia, catástrofes naturais e o luto
No contexto atual, marcado por questões tão dolorosas, como as enchentes do Rio Grande do Sul, guerras e até mesmo COVID-19 que vivemos há pouco tempo, o tema do luto adquire uma relevância ainda maior.
Nesses cenários, a intervenção psicanalítica pode desempenhar um papel fundamental no acolhimento e suporte aos enlutados. Em meus atendimentos online, procuro oferecer um espaço para a expressão e elaboração das emoções relacionadas à perda, auxiliando o enlutado a encontrar formas criativas de homenagear e se despedir do ente querido, mesmo diante das limitações impostas pela pandemia.
Nesse sentido, a psicanálise pode contribuir para a compreensão e o manejo das repercussões emocionais que surgem em meio a essas adversidades da vida, como o medo, a ansiedade e a sensação de desamparo, que podem intensificar o sofrimento do enlutado.
O trabalho terapêutico pode auxiliar na construção de estratégias de enfrentamento e na promoção da resiliência diante desse contexto desafiador.
Em Conclusão
O luto é uma experiência dolorosa e difícil, que mobiliza os nossos recursos emocionais e nos confronta diante com a finitude da vida.
A teoria freudiana e o modelo das cinco fases do luto proposto por Elisabeth Kübler-Ross oferecem uma compreensão rica e abrangente sobre esse processo, enfatizando tanto o trabalho psíquico de desligamento da libido quanto as reações emocionais comuns diante da perda.
Como psicanalista, tenho testemunhado a coragem e a resiliência de pessoas que, mesmo diante da dor avassaladora da perda, encontram formas de ressignificar suas experiências e de construir um novo sentido para a vida.
A intervenção psicanalítica pode ser um recurso muito benéfico nesse processo, oferecendo um espaço de acolhimento, escuta e elaboração das emoções relacionadas ao luto.
Se você está enfrentando a perda de um ente querido, seja recente ou antiga, não hesite em buscar ajuda.
A psicoterapia pode oferecer o suporte necessário para que você possa vivenciar seu processo de luto de forma saudável e encontrar caminhos para a superação da dor. Lembre-se de que não está sozinho e de que há sempre esperança.
Priscila Soares Falchi
Priscila Soares Falchi é Psicanalista formada pelo instituto IBCP de SP e Psicóloga Clínica (CRP 06/200925). Pós-graduanda em Psicanálise Contemporânea pela PUCRS e com especialização livre em Práticas Clínicas na Infância. Também é Graduada em Gestão Empresarial com Pós-graduação em Marketing e comunicação e pós-graduação em Docência do Ensino superior pelo SENAC de SP.
O luto é uma jornada turbulenta que mexe muito com a gente, sendo transformadora e difícil, e pela qual todos nós passamos em algum momento de nossas vidas.
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